Introdução
Você agora é um homem (ou já é, não sei), solitário, +45, sem uma namoradinha. Em um ato de desespero baixou o Tinder, porque é apenas mais um homem pós-moderno que não consegue se conectar com uma mulher na vida real.
Assinou o Tinder Plugs Anais (Plus A+), deu like em todas as mulheres da sua área: mais de 500 curtidas, mais de R$250 gastos e nenhum meet. Você já tinha desistido, pronto pra desinstalar aquela desgraça do celular, quando aparece o milagre: um match.
E não é qualquer match: é ela. Indígena, franjinha, cabelos castanhos escuros que vão até a cintura. Pinturas faciais e corporais. Corpo escultural que faria até capa da Playboy parecer panfleto de farmácia. Uma deusa.
Você não acredita: ela te manda mensagem. E não só isso — ela investe em você. Doce, envolvente, voz perfeita. Em poucos dias você já está pensando em casar, em ter filhos, em comprar uma casa pra morar juntos.
Parabéns, patinho: caiu direitinho. Mas tem um detalhe, meu amigo… Ela nunca quer se encontrar em shopping, bar, motel de estrada. Sempre adia, sempre inventa desculpa.
Até que, uma noite, ela te chama: beira do rio, de madrugada. Você não pensa duas vezes. Já está certo que vai ser o melhor sexo da sua vida. Você vai.
Na escuridão, os grilos gritam, a água corre pesada, e lá está ela. Sentada numa pedra, linda demais pra existir. Só que algo não bate: metade do corpo dela está na água. Você pensa: “misteriosa, vibe natureza.”
Não. É armadilha. Ela sorri. A voz dela não é só doce... é venenosa. O canto dela entra pela sua pele, pelo sangue, mexe no fundo da sua cabeça. Você já não é dono de si. O corpo vai sozinho, cada passo mais fundo na água. Um pé. Dois pés. Frio. Escuro. Silêncio.
Parabéns, otário: você não deu match no Tinder. Você assinou o seu atestado de óbito. O último som que você escuta não é a notificação do aplicativo. É o riso abafado da Iara, enquanto te arrasta para o fundo.
Beauvoir falava que a mulher é construída socialmente como “o Outro” do homem. Ou seja: ela é misteriosa, perigosa, irresistível… e ao mesmo tempo ameaça. É aquela que encanta, mas dá medo.
A Iara é exatamente isso. Ela não é só uma personagem de lenda, ela é o medo masculino materializado. O homem olha pra ela e pensa: “quero, mas vou me ferrar”. Ela seduz, hipnotiza, arrasta. Ela existe pra assustar quem deseja demais.
No fundo, a Iara não é sobre mulheres de verdade. Ela é sobre homens e o pânico que eles sentem diante do que desejam demais.